Faleceu na noite de ontem (sábado, 13 de
setembro), seu João Agripino de Freitas, conhecido comerciante do município de
Governador Dix-sept Rosado.
Em homenagem à memória de seu João Agripino,
Compartilho texto publicado em 20/09/2009, no www.paulomartinblog.zip.net
João Agripino, uma figura humana marcante
Seu João Agripino era o dono de uma das
mercearias da cidade, que, na época, muita gente em Dix-sept Rosado chamava de
“bodega”, mesmo. A bodega de seu João Agripino era ponto de encontro, no
Mercado Público. Lá, o pessoal ficava por dentro dos assuntos da cidade. Coisas
da vida pessoal e da política em Dix-sept Rosado e no Estado.
À época, eu havia chegado da zona rural
para frequentar a escola na cidade. Era menino de 9 anos e minha tia, com quem
eu morava, na Rua Padre Florêncio, mandava fazer pequenas compras na bodega de
seu João. Naquele tempo, menino gostava de fazer “mandado”, sentia-se útil,
sentia-se valorizado. “Mande, que ele vai e volta logo”. Bastava um pequeno
elogio para se sentir importante e sair de peito estufado. Ia com muito prazer
comprar açúcar, feijão, para as vizinhas, dona Maria de Pedro Viana, um
melhoral, na Farmácia de Manoel Cardoso, para dona Maria, mulher de seu Antonio
Maranguape. Minha tia, Lirinha de Chico Bacatela recomendava: “Vá num pé e
volte no outro”.
Mas, quando era na bodega de seu João, eu
demorava um pouco, mesmo sabendo que, na volta, o sermão seria inevitável.
Apesar de ser muito tímido, beradeiro do mato como se dizia, ficava num canto,
escutando as conversas dos mais velhos e doido para ler os jornais de Natal e
Mossoró. Esperava pacientemente que os adultos lessem o “Diário de Natal” e a
“Tribuna do Norte” e torcia que, depois que os jornais passassem de mão em mão,
não fossem logo devolvidos a seu João Agripino, e alguém os esquecesse em cima
do balcão. Lia um pouco até que um ou outro dissesse, com pose de dono do
pedaço: “Ei, menino. Me dê esse jornal, que é de seu João”.
Era muito difícil o acesso a revista ou
jornal. Lembro que muitas vezes lia alguma notícia, no jornal “O Mossoroense”,
da seguinte maneira. Meu pai comprava sabão em pedra e os donos de bodegas da
cidade, como seu João, embalavam as barras de sabão com as páginas de jornal.
Quando minha mãe desembrulhava o sabão, eu já estava ali, perto, para fazer a
minha leitura de “O Mossoroense”. Salvo engano, havia as colunas de Dorian
Jorge Freire, “Cota Zero”, e de Jaime Hipólito Dantas, “Conversa da Manhã”.
Alguém jamais sonharia que um dia viesse a
existir a Internet e suas ferramentas revolucionárias. Na cidade, quase ninguém
tinha telefone, além do telefone da Estação do Trem, o da Telern e o da
Prefeitura. O e-mail da época era o telegrama. E só recebia telegrama pessoas
de boas condições financeiras. E quando recebia, podia se preparar que
raramente não trazia notícia ruim, como o falecimento de ente da família ou um
amigo muito próximo.
Seu João Agripino era homem atualizado e
bem informado. Estava a par dos bastidores da política, dos negócios, do
futebol e sabia do que acontecia em Dix-sept Rosado porque, quem freqüentava o
comércio dele, fazia questão de contar as novidades. A bodega de seu João era,
de certa forma, a nossa lan house. E a gente "navegava" por lá.
Mas não era só nisso, que seu João Agripino
estava à frente. Ele acompanhava também os noticiários do rádio e da televisão.
Na época também não havia repetidora de TV nem antena parabólica na cidade. Na
maioria das casas onde havia televisor, o sinal era péssimo e a imagem “fugia”
o tempo todo. Mas, lá em seu João, havia um "segredo" e a imagem era
de primeira qualidade.
Na decisão do campeonato paulista de 1977,
entre Corinthians e Ponte Preta, muita gente da cidade não quis arriscar a
assistir o jogo em outro lugar, que não fosse a casa de Seu João. Fazia 23 anos
que o Corinthians não ganhava um título. Houve uma “invasão” na casa de seu
João Agripino. No primeiro jogo, Corinthians 1 x 0. A maioria esmagadora torcia
pela Ponte Preta. Armando Filho, muito jovem e um grande amigo de seu João,
comandava os poucos torcedores corintianos. A “Macaca” ganhou por 2 a 1, de
virada. O camisa 10, Dicá, empatou, cobrando falta, e o centroavanate Ruy Rei
virou a segunda partida para a Ponte. A turma quase tira o coro de Armando
Filho, que ficou muito triste, enquanto os anti-corintianos faziam a bagunça na
casa de seu João Agripino. No terceiro e decisivo jogo, o meia Basílio fez o
chorado gol do título para o Corinthians.
No ano seguinte, eu passava em frente da
casa de seu João para falar com Ênio, seu filho, de quem fui colega na Escola
Jerônimo Rosado e amigo das peladas de futebol. Havia muita gente na casa,
localizada na Rua Machado de Aguiar. Então, perguntei o que estava acontecendo.
Ao que alguém respondeu: “Estamos querendo saber quem matou Salomão Hayala”.
Era o último capítulo da novela “O Astro”, de Janete Clair, que fez muito
sucesso naquela época. Acho que havia mais gente do que na decisão do futebol.
Tanto que seu João perdia a paciência, porque alguns subiam nas cadeiras e no
sofá da casa.
Seu João e sua família pagavam o preço por
terem a melhor imagem da TV Verdes Mares, de Fortaleza, afiliada da Rede Globo,
em Dix-sept Rosado.
Foi assim que conheci seu João Agripino.
Apesar de ser mais jovem, ele me dava bastante atenção e eu gostava de ouvir
suas histórias, pontos de vista sobre o esporte, a política e outros assuntos,
sobre os quais demonstrava ter conhecimento. E seu João gostava de compartilhar
com as outras pessoas. Os jornais, a televisão, a amizade.
Seu João Agripino é uma das figuras
marcantes da paisagem humana de Governador Dix-sept Rosado.
Escrito por Paulo Martins às 12h43