Ele
compartilhava com quem nada tinha
Guardo de meu
pai, Fausto, lembranças de um homem que não media distância para fazer
caridade. Era algo espontâneo, natural. De bicicleta, houvesse chuva ou sob o
calor do sol, ele ia ao encontro de quem precisava de ajuda.
Percorria
veredas para aliviar o sofrimento de alguém. Às vezes, dava uma simples
palavra, um conselho. Mas havia momentos – de perda e dor - quando palavras
eram insuficientes para consolar. Então, oferecia o silêncio. Simplesmente
ouvia.
Tinha pouco para
si mesmo, mas, mesmo assim, compartilhava com quem nada tinha. Não suportava
ver pessoas padecendo de fome. Quando assim ocorria, repartia o pão da nossa
mesa.
De igual modo,
cuidava dos animais. Tantas vezes, vi tratar da rês que caia pela escassês de pasto
nos anos de seca. Ao bezerro novo, sem vigor para ficar em pé, dava ovos de
galinhas para reencontrar a força nas pernas. No garrote doente, passava unguento
nas feridas e medicava o cavalo que tivera o casco machucado na cavalgada. E
enveredava na caatinga para procurar a ovelha que não voltara ao aprisco.
Recordo-me que meu
pai chegou em casa, mais de uma vez, com pessoas indigentes, as quais
encontrava vagando pelas estradas. À época, minha mãe reclamava com certa
razão, devido o risco que ele corria ao acolher pessoas desconhecidas.
Seriam aqueles homens
apenas andarilhos, ciganos ou pistoleiros? Era a pergunta feita por moradores
daqueles sítios. O certo é que chegavam lá em casa famintos, sujos e
maltrapilhos.
Um deles, cujo
nome não me recordo, atraia a atenção das crianças ao usar uma geringonça para
projetar, na parede da casa, imagens de pedaços de fitas de filmes. Primeiro, ele
colocava água dentro de uma lâmpada incandescente, acoplada a uma lata de óleo
de comida vazia. Em seguida, fazia a luz de uma pequena lanterna projetar e
ampliar, através da lâmpada com água, as imagens contidas nos fragmentos de
fitas.
Outro daqueles “viajantes”,
seu Antônio, trabalhava duro, economizava o que ganhava, além de comprar
tecidos para confeccionar calças e camisas. Aos dois, meu pai deu comida, um
modesto abrigo e condições para higiene por algum tempo. Através do trabalho,
submeteu-os a uma espécie de terapia e tratou feridas da alma. Devolveu a ambos,
pelo menos em parte, a autoestima e a dignidade. Já em condições de continuar a
jornada, revigorados, os dois tomaram rumo de maneira tão misteriosa como
quando apareceram.