quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Ele compartilhava com quem nada tinha

Guardo de meu pai, Fausto, lembranças de um homem que não media distância para fazer caridade. Era algo espontâneo, natural. De bicicleta, houvesse chuva ou sob o calor do sol, ele ia ao encontro de quem precisava de ajuda.

Percorria veredas para aliviar o sofrimento de alguém. Às vezes, dava uma simples palavra, um conselho. Mas havia momentos – de perda e dor - quando palavras eram insuficientes para consolar. Então, oferecia o silêncio. Simplesmente ouvia.

Tinha pouco para si mesmo, mas, mesmo assim, compartilhava com quem nada tinha. Não suportava ver pessoas padecendo de fome. Quando assim ocorria, repartia o pão da nossa mesa.

De igual modo, cuidava dos animais. Tantas vezes, vi tratar da rês que caia pela escassês de pasto nos anos de seca. Ao bezerro novo, sem vigor para ficar em pé, dava ovos de galinhas para reencontrar a força nas pernas. No garrote doente, passava unguento nas feridas e medicava o cavalo que tivera o casco machucado na cavalgada. E enveredava na caatinga para procurar a ovelha que não voltara ao aprisco.    

Recordo-me que meu pai chegou em casa, mais de uma vez, com pessoas indigentes, as quais encontrava vagando pelas estradas. À época, minha mãe reclamava com certa razão, devido o risco que ele corria ao acolher pessoas desconhecidas.

Seriam aqueles homens apenas andarilhos, ciganos ou pistoleiros? Era a pergunta feita por moradores daqueles sítios. O certo é que chegavam lá em casa famintos, sujos e maltrapilhos.

Um deles, cujo nome não me recordo, atraia a atenção das crianças ao usar uma geringonça para projetar, na parede da casa, imagens de pedaços de fitas de filmes. Primeiro, ele colocava água dentro de uma lâmpada incandescente, acoplada a uma lata de óleo de comida vazia. Em seguida, fazia a luz de uma pequena lanterna projetar e ampliar, através da lâmpada com água, as imagens contidas nos fragmentos de fitas.


Outro daqueles “viajantes”, seu Antônio, trabalhava duro, economizava o que ganhava, além de comprar tecidos para confeccionar calças e camisas. Aos dois, meu pai deu comida, um modesto abrigo e condições para higiene por algum tempo. Através do trabalho, submeteu-os a uma espécie de terapia e tratou feridas da alma. Devolveu a ambos, pelo menos em parte, a autoestima e a dignidade. Já em condições de continuar a jornada, revigorados, os dois tomaram rumo de maneira tão misteriosa como quando apareceram.         

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